O belo mundo que nossos corações sabem é possível
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Capítulo 6: Força
O estado de interser é um estado vulnerável. É a vulnerabilidade do ingênuo altruísta, do que ama sem desconfiar, de quem compartilha sem pensar em se resguardar. Para entrar nesse estado, é preciso deixar para trás o abrigo aparente de uma vida baseada no controle, protegida pelos muros do cinismo, do julgamento e da culpa. E se eu der e não receber? E se eu escolher acreditar em um propósito maior e me iludir? E se o universo, afinal, não passar de um embate impessoal de forças? E se eu me abrir e o mundo me violar? Esses medos garantem que, comumente, ninguém entre na nova história até que a antiga desmorone. Não é algo que alcançamos, é algo em que nascemos.
O mesmo interser que nos torna tão imensamente vulneráveis também nos torna imensamente poderosos. Lembre-se disso! De fato, a vulnerabilidade e o poder andam de mãos datas, porque é apenas abaixando a guarda do eu separado que podemos tocar em um poder além do seu alcance. Somente assim podemos conquistar coisas que são, para o eu separado, impossíveis. Colocando de outra forma, nos tornamos capazes de coisas que não sabíamos que podíamos “fazer” acontecer.
Fazer algo acontecer é usar algum tipo de força. Eu posso pedir para você me dar dinheiro, mas como eu poderia fazer com que me desse? Bem, eu poderia, se você for frágil, forçá-lo fisicamente a pôr a mão no seu bolso. Ou eu poderia colocar uma arma na sua cabeça — qualquer ameaça à sua sobrevivência é uma forma de força. A ameaça à sobrevivência pode ser bem sutil. Força legal, por exemplo, se ampara em última instância na força física: se você ignorar as ordens da Justiça, mais cedo ou mais tarde, um homem com algemas e uma arma irá aparecer na sua casa. Similarmente, a força econômica se ampara na associação do dinheiro com conforto, segurança e sobrevivência.
Em seguida, há a força psicológica, termo que vai além de uma mera metáfora. Refere-se às motivações que são mobilizadas por estarem ligadas a segurança básica, em particular ao desejo de ser aceito por um grupo e pelos pais. Nosso treinamento no uso da força psicológica começa na infância com as aprovações e reprovações condicionais dos pais, que tocam no talvez mais profundo medo de qualquer jovem mamífero: abandono da mãe. Um bebê mamífero deixado sozinho por muito tempo irá chorar piedosamente por sua mãe, atraindo qualquer predador por perto — um risco preferível à morte certa da separação da mãe cuidadora. Utilizar esse medo mortal é equivalente a uma arma na cabeça. Muitas práticas de pais modernos alavancam esse medo: as acusações “Como você pôde!”, “O que há de errado com você?”, “O que você estava pensando?” e, talvez ainda mais danosa, a expressão manipuladora que diz, “Eu aceito você apenas se fizer o que eu aprovar”. Nós aprendemos a batalhar por ser um “bom menino” ou uma “boa menina”, a palavra bom ou boa significa aqui que a mamãe e o papai aceitam você. Eventualmente, nós internalizamos a rejeição como autorrejeição — culpa e vergonha — e internalizamos a aceitação condicional como auto-aceitação condicional. Proporcionar a alguém essa aceitação é profundamente gratificante; negá-la é profundamente desconfortável. Esse sentimento de gratificação é central para o que queremos dizer com a palavra “bom” ou “boa”. Vale a pena explorar: repita para você, “Eu sou bom. Bom garoto. Eu sou uma boa pessoa. Algumas pessoas são más, mas não eu — eu sou uma boa pessoa”. Se você pensar nessas palavras para si de forma solene, poderá perceber que há algo profundamente infantil na gratificação que elas provocam.
Auto-aprovação e autorrejeição condicionais são mecanismos poderosos de autocontrole: a aplicação de força psicológica sobre si mesmo. Nós estamos profundamente condicionados a isso; talvez seja o mais fundamental do que eu irei chamar de “hábitos da separação”. Tão condicionados, nós somos também vulneráveis a qualquer figura de autoridade ou governamental que possa assumir o papel dos pais: um árbitro de bom e mau, o concedente ou detentor de aprovação.
O mesmo condicionamento também influencia nossas tentativas de mudar outras pessoas e o mundo. Nós invocamos culpa com slogans como “Você é parte do problema, ou parte da solução?” Nós proclamamos a cumplicidade de cada um de nós nas depredações imperialistas da civilização ocidental, no ecocídio, no culturocídio e no genocídio. Nós tentamos manipular a vaidade das pessoas de quem temos esperança de mudar: se você fizer X, você será uma boa pessoa.
Nós habitualmente pressionamos políticos e corporações também. Poderia ser a ameaça de humilhação pública ou o incentivo da aprovação pública e uma imagem positiva. Poderia ser a ameaça de uma ação judicial ou de uma campanha de recall. Poderia ser uma ameaça financeira ou incentivo. “Engaje-se em práticas ambientalmente responsáveis porque isso irá, em última análise, aumentar o seu bottom line (lucro).”
Que visão de mundo, que história, estamos reforçando quando usamos essas táticas? É a visão de mundo em que coisas acontecem apenas por meio da aplicação da força. Essas táticas parecem dizer, “Eu sei quem você é. Você é um impiedoso maximizador de auto-interesse racional ou auto-interesse genético”. Assumindo isso, nós nos aventuramos em potencializar esse auto-interesse. Nós fazemos isso para outras pessoas, e nós fazemos isso para nós mesmos.
Nada disso é para dizer que nós deveríamos guardar o elogio e a desaprovação, ou lutar para libertar-nos de ser influenciados pela opinião dos outros. Como interseres, o mundo reflete de volta para nós o que nós colocamos no mundo. Não há nada errado em celebrar as escolhas corajosas que nos movem, ou em expressar a raiva ou a tristeza quanto a decisões prejudiciais. Quando essas ações são usadas com a intenção de manipular que vêm partir da visão do mundo da força.
A aplicação habitual de vários tipos de força baseia-se em raízes profundas. No paradigma científico que, mesmo obsoleto, ainda gera nossa visão de praticalidade hoje, nada no universo nunca muda se não for por uma força exercida sobre ele. O poder na realidade física, então, corresponde àquele que é capaz de reunir mais força e àquele que tem a mais completa e precisa informação sobre onde exercer essa força. É por essa razão que os famintos por poder frequentemente são obsessivos por controlar o fluxo de informação.
Nessa visão, as coisas nunca “apenas acontecem”, elas acontecem somente por causa de algo, e “causa” aqui significa força. Dela devemos beber, dentro dela devemos controlar e em cima dela devemos projetar nossas próprias intenções, mobilizando mais e mais força, aplicando essa força com maior precisão, para nos tornar, enfim, lordes Cartesianos e donos da natureza.
Você consegue perceber como a palavra “prático” passa cladestinamente em muito da mentalidade que permeia as deteriorizações da nossa civilização?
Você acha que agindo com base nos sistema de crenças da Era da Separação, nós poderemos criar alguma coisa além de separação?
O controle alimenta sua própria necessidade. Dessa forma, quando nós tratamos a terra com pesticidas pesados, as super plantas daninhas e os super insetos que emergem requerem novos e ainda mais fortes doses de pesticidas. Quando alguém entra em uma dieta e tenta controlar sua vontade de comer, em algum momento o desejo reprimido explode como uma compulsão, instigando outras tentativas de controle. E quando os seres humanos são colocados em uma caixa, vigiados, agendados, atribuídos, classificados e compelidos, eles se rebelam de todas as formas, algumas vezes irracionais ou violentas. Ah, nós pensamos, precisamos controlar essas pessoas. Como com um vício, essas crescentes tentativas de controle eventualmente exaurem todos os recursos disponíveis, sejam pessoais, sociais ou planetários. O resultado é uma crise, que as tecnologias de controle apenas podem adiar, mas nunca resolver. E cada adiamento somente esgota ainda mais os recursos ainda disponíveis.
É aparente que aquele “prático” não está mais funcionando como costumava. Não apenas porque o que uma vez já foi prático é hoje insuficiente para a nossa necessidade, mas também porque é cada vez mais impotente no seu âmbito de origem: o prático não é mais prático. Gostemos ou não, nós estamos nascendo em um novo mundo.
Este livro é um chamado para renunciarmos ao pensamento baseado no controle, para que possamos alcançar coisas que excedem em muito a capacidade da nossa força. É um convite para uma forma radicalmente diferente de entender causa e efeito e, dessa forma, uma concepção radicalmente diferente do que é prático. Agindo assim, nossas escolhas frequentemente parecem, para aqueles que operam segundo os velhos paradigmas, loucas: ingênuas, impraticáveis, irresponsáveis. De fato, elas parecem dessa forma para aquela parte de nós mesmos — e eu confio que ela vive igualmente em você como vive em mim — que também habita a velha história. Você deve reconhecer sua voz, crítica, depreciativa, duvidosa, insinuadora. Ela quer que fiquemos pequenos, seguros, protegidos em nossas pequenas bolhas de controle. Meu propóstio aqui não é pedir para que você lute contra essa voz ou que a remova; simplesmente reconhecê-la pelo que é já começa a diminuir seu poder.
Nada disso é para sugerir que nós nunca devemos usar força, ou que nós devemos abandonar todas as formas de aculturalização que dependem de ganhar aceitação dos pais, do mais velhos e do grupo. Essas sempre serão importantes partes do drama humano. Entretanto, nossas ideologias profundas têm nos cegado de outras formas de iniciar mudança. Este livro irá explorar o retorno da força (e razão, pensamento linear, etc.) ao seu devido lugar.